CPRMobras
Por Pedro Luiz Rodrigues
É impressionante como os governos do Partido dos
Trabalhadores buscam, com inusitada frequência, inspiração e estímulo em
iniciativas do regime militar.
Um exemplo desse encantamento parece estar em gestação no Palácio do Planalto (Casa Civil?).
A
notícia - ainda sem fonte identificada (portando, tecnicamente,
trata-se ainda de um boato, merecedor de investigação da Polícia
Federal)- é de que o governo decidiu ‘revitalizar’ a Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) - uma estatal criada pelo regime
militar em 1969, poucos meses depois de baixar o Ato Institucional
número 5 (AI-5).
A ideia é a de que o mapeamento e a pesquisa
mineral passem a ser de responsabilidade exclusiva da CPRM, pelo menos
no que diz respeito a certos minerais estratégicos. Esse trabalho de
pesquisa é hoje feito basicamente pela iniciativa privada, no mais das
vezes empresas de pequeno e médio portes, que fazem os levantamentos
iniciais e depois os revendem para as empresas de mineração.
Justiça
seja feita, a CPRM nunca fez feio, foi sempre uma boa empresa –
primeiro de economia mista, depois pública-, séria e respeitada,
competente em seus afazeres. É verdade que nos últimos dez anos foi
meio deixada de lado. Mas mesmo com orçamento magro e quadro de pessoal
idem, nunca deixou de prestar um bom serviço à sociedade, na área da
pesquisa geológica, inclusive hídrica.
Revitalizar uma empresa
com tal perfil é, em princípio, uma boa ideia. Transformá-la numa
espécie de Embrapa (upa, outra invenção do regime militar...) do setor
mineral, aí, então, seria um show de bola. A Embrapa é útil e querida
da sociedade, apreciada pelo mundo acadêmico, adorada por agricultores e
pecuaristas. É onde temos, sem dúvida, o conjunto de funcionários com
melhor qualificação profissional em todo o serviço público, e talvez o
melhor custo-benefício em todo o aparato governamental.
A CPRM
não fica atrás. Tem 1.180 funcionários (celetistas), dos quais cerca de
500 são geólogos, hidrogeólogos, engenheiros hidrólogos e engenheiros de
minas, sendo um terço portador de mestrado ou doutorado. É aí, como
admite a própria empresa, que está um valoroso patrimônio técnico, um
quadro especializado e muitíssimo bem qualificado.
A proposta,
que agita corredores de bom carpete no Planalto, parece ser, pelo pouco
que se sabe, a de transformar a CPRM não uma espécie de Embrapa, o que
acharíamos bom, mas numa Minerobras, uma Petrobras da pesquisa mineral,
gigante, prédio bonito, multidão de funcionários, orçamento polpudo
(inclusive para poder bancar anúncios que dirão que o Brasil é o
máximo!). A preferência do Partido no poder parece sempre pender para o
gigantismo, o empreguismo, em detrimento da competência e da eficiência.
Conviria
que algum espírito sensato, dotado de grande poder e autoridade,
entrasse nessa discussão, para impedir que tão extravagante ideia ganhe
corpo, pondo fim ao atual sistema de autorização para pesquisa e lavra
mineral. Criar uma CPRMobras monopolista para cuidar desses afazeres não
parece uma boa ideia.
Hoje, a CPRM exerce um papel
importantíssimo, como depositária oficial dos dados e informações sobre
geologia, recursos minerais e recursos hídricos do território
brasileiro. Para isso, como informa a própria empresa, ela administra um
complexo conjunto de bases de dados e sistemas de informações
temáticas, georreferenciadas, além de um vasto acervo documental,
cartográfico e de imagens, que, “na medida do possível, estamos
colocando à disposição da sociedade”.
Os militares, que tanto
maltrataram a democracia e as liberdades civis em nosso país, foram,
contudo, bons administradores e gestores, Graças a eles e a gênios como o
Professor Antônio Dias Leite (então Ministro das Minas e Energia)
contamos com o principal parque hidrelétrico do mundo. E Dias Leite
anteviu para a CPRM a missão estratégica de organizar e sistematizar o
conhecimento geológico do território nacional.
Foi com base nesse
lastro que se sustentou o crescimento da produção interna de minerais,
possibilitando o verdadeiro boom mineral das décadas de setenta e
oitenta. A empresa executava os programas do DNPM (Departamento Nacional
de Produção Mineral) e ainda vendia no mercado serviços de sondagens
para água e pesquisa mineral.
Essa fase pioneira da CPRM chegaria
ao fim em 1994, que transformou a alterou o regime jurídico da empresa:
de economia mista, passou a empresa pública. Ficava para trás o ciclo
da empresa prestadora de serviços, e iniciava-se a era do Serviço
Geológico, com foco concentrado para a geologia e hidrologia básicas.
Abandonou-se a atuação empresarial, fortaleceram-se os vínculos e
parcerias institucionais com as três esferas da administração pública.
Nessa
nova fase, a empresa continuou gerando e acumulando informações
geológicas básicas, necessárias ao planejamento territorial, controle de
áreas de risco, controle hidrogeológico, apoio a prefeituras,
mapeamento de áreas de fronteira (como os fundos oceânicos do mar
territorial, chamado pela Marinha de ‘Amazônia Azul’). Em resumo,
continou como prestadora de informação à sociedade, sendo o setor
minerador apenas um entre vários usuários.
Há algumas questões
que merecem reflexão. Hoje a CPRM possui cerca de 1 milhão de hectares
em autorizações de pesquisa, abrangendo mais de 30 substâncias minerais,
‘esterilizados’ por mais de 40 anos. Milhões foram gastos na pesquisa
destas áreas, que jamais foram licitadas.
Temos também o temas
das ARIM (áreas de relevante interesse mineral): em 1984, o Governo
militar criou a chamada Reserva Nacional do Cobre (RENCA) abrangendo
milhares de hectares no Amapá (outra vez, com os mesmos pressupostos
ressuscitados pelo governo atual), cabendo à CPRM pesquisá-la. Após 30
anos, nada foi feito e a área de grande potencial, continua esterilizada
e bloqueada à iniciativa privada.
Pedro Luiz Rodrigues é diplomata, jornalista e meu amigo.