Os sociólogos sabem das coisas. O povão já sabia e foi pra casa.

'Revolução sem rumo pode dar em nada, o que seria frustrante', afirma sociólogo

As manifestações deste mês serviram para "desmascarar" o PT como o partido das transformações, mas a ausência de direção pode impedir que os protestos tenham um legado duradouro.
A avaliação é do sociólogo Francisco de Oliveira, 80, professor emérito da USP, que se tornou um crítico ácido do PT após romper com o partido, logo no começo do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Fabio Braga/Folhapress
O sociólogo Francisco de Oliveira, 79, faz uma analise dos atuais protestos pelo país e dos movimentos sociais
O sociólogo Francisco de Oliveira, 79, faz uma analise dos atuais protestos pelo país e dos movimentos sociais
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Folha - Qual é a sua avaliação dos protestos?
Francisco de Oliveira - Estou surpreso por duas razões. Em primeiro, o povão em geral demonstrou uma capacidade e uma iniciativa que ninguém acreditava, nem nós. Isso é promissor do ponto de vista brasileiro. A contradição é que os objetivos são muito difusos e, portanto, difíceis de alcançar. Ninguém sabe quem manda.
Nunca houve nada parecido pela amplitude no país. É uma experiência realmente nova na política de massas do Brasil, realmente nova. Todo mundo se pergunta no que isso vai dar. Os otimistas diriam: "Vai dar numa revolução". Mas é difícil. Uma revolução, nos casos conhecidos, sempre teve direção. Essa não parece ter. Então pode dar em nada, o que seria muito frustrante.
O que mais há de inédito?
A gente vai descobrir que tem liderança, mas, para o que está ocorrendo, não faz nenhuma diferença. Está fora completamente das instituições que deviam fazer a mediação da política. Os políticos e os partidos estão completamente fora, o que é um fator muito inédito no Brasil.
O que já se sentia é que os partidos não são mais interlocutores. Se disso pensarmos que está surgindo uma nova forma de interlocução política, é uma percepção otimista.
São as primeiras grandes manifestações das quais o PT não participa desde que foi criado. O que aconteceu?
Uma interpretação provisória e hesitante é que isso faz parte desse ciclo que se abriu de muita euforia. Parecia que estava tudo resolvido no Brasil. O PT e o Lula têm parte nessa história. A gente sabe como é: eles mandaram os bancos estatais soltarem o dinheiro, e veio esse festival de consumo que não está à altura da renda dos brasileiros. Eles criam uma euforia falsa, isso não se aguenta. Euforia de consumo financiada por bancos tem perna curta.
O PT incentivou a euforia. Meses atrás, estava todo mundo feliz no Brasil. Mas essa história de enorme transferência de classe é balela, sociologicamente não se sustenta que houve deslocamento de renda proporcionando euforia de consumo.
É o contrário: os bancos oficiais largaram dinheiro. Todo dia a gerente do Banco do Brasil me liga. Uma senhora chamada Simone liga pra minha casa e pergunta: "Professor, quando o senhor vai efetivar o empréstimo?". Parece exagero, mas é todo dia.
Qual é o objetivo disso tudo? Ninguém sabe. Reformar o sistema político de uma vez só é coisa de Lênin. Esse sonho, a gente viu no que deu. Mas nada a ver com Maio de 68, que visava montar outro poder e foi mais consistente que o movimento brasileiro.
As manifestações estavam represadas pelo governo do PT?
A manifestação desmascarou o PT. Não é mais o partido das transformações. É o partido que, até pouco tempo, tinha deslocado os tucanos da Prefeitura de São Paulo e agora está sendo enxovalhado.
Tomara que seja promissor, de uma nova percepção de como a política atua. Mas, sendo pessimista, a experiência histórica mostra que uma coisa sem objetivo não se mantém por muito tempo.
O PT perdeu o contato com os movimentos sociais?
Isso está perdido. O PT vem se burocratizando, não no sentido pejorativo, mas para alcançar determinados objetivos. Ao organizar, necessariamente se perde o contato com as massas. As massas não podem ser organizadas ao estilo de um partido.
O sucesso do PT foi porque era o partido contra a ordem. No momento em que se torna o partido da ordem, as escolhas mudam. Em todo partido que nasce contra a ordem e chega ao poder, há uma transformação trágica, perde a capacidade de reivindicar.
Marina Silva e Eduardo Campos são opções viáveis?
Nenhum deles traz mudança. Campos é um bom moço e só. Marina, que abalou nas últimas eleições, não abala mais.
Não há país desse tamanho, com enormes desigualdades, em que uma mensagem como a dela tenha algo a dizer. O que tem a dizer a São Paulo, com a pior miséria do Brasil, as desigualdades mais intensas?

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