Opinião

Zerbini, o militar nacional e as viúvas da tortura

Mauro Santayana
- “Quantos destes terroristas vão responder pelos crimes praticados???? Já sei, a comissão vai mandar para Roma, para ver se o papa Francisco encaminha a beatificação dos mesmos ainda em vida... esta corja já deveria ter sido exterminada da crosta terrestre. A anistia só serviu para cobrir os erros destes marginais”.
- “É só aparecendo vítima agora, tudo mentindo, pra ver se ganham um dinheirim desse governo, tô com vontade de dizer que fui violentado também, será que vale pelo menos uns 300 mil?”
- “Mais uma qualquer querendo aparecer. Mais uma descarada querendo o dinheiro público, tinha que ser advogada mesmo, mentirosa cara de pau !!!!”
- “Não acredito. Acredito, sim, que é apenas mais uma querendo entrar nas polpudas indenizações com que este governo está brindando os seus seguidores. That's it!”
- “Quanto a comissão pagará de indenização pelo depoimento?”
- “Como saber o que é verdade? Não existem mitômanos e outros casos clínicos que usam da mentira como forma de se projetar ou de aplacar sua ansiedade? Um país assim, com uma comissão que parece saída de um livro de Orwell (que tinha o ministério da verdade encarregado das mentiras oficiais) é para ser levado a sério? Lamentavel”.
- “Se isso aconteceu, ela deverá dar todos os detalhes. Quem estava lá no momento, onde, como. Tudo é parte de investigação. Mas a história tem falhas. Uma menina de 16 anos, filha de general, vai sozinha visitar a mãe na cadeia? Naquelas circunstâncias fica difícil de acreditar”.
- “Agora até um mendigo qualquer que se prontificar a dar um depoimento na comissão da mentira vai ser ouvido e ganhar uma graninha...”.
- “Mais uma bolsa ditadura na nossa conta...”.
- “Todo mundo quer ser vitima da ditadura, afinal se ganha dinheiro com isso. Acho que deveríamos instalar uma comissão para reparar os danos de opressões sofridas na Inconfidência Mineira, Confederação do Equador, Guerra dos Farrapos, Sabinada, Guerra de Canudos, etc, etc, etc. Um país com os problemas do Brasil dedicar tempo e dinheiro para discutir uma violência ocorrida há 40 anos é um exercício psicanalítico que nem Freud explica”.
- “Sabem como morreu Jesus Cristo? Foi torturado e crucificado pela ditadura. Todo mundo querendo ganhar um trocado”.
- “Enquanto tiver grana para rolar, a história vai longe”.
- “Querendo dinheiro fácil, do povo!!! depois de 43 anos? fala sério.toma vergonha na cara...e vai trabalhar!!”.
- “Mais uma que vai embolsar uma polpuda indenização, que nós, os trouxas, pagamos para esse pessoal que quis transformar o Brasil em uma Cuba”.
Prezado leitor, as “elevadas” e “construtivas” reações acima, retirados do UOL, reproduzem algumas reações de hitlernautas a propósito da denúncia feita pela advogada Eugenia Zerbini, à Comissão da Verdade, de que teria sido estuprada na sede da OBAN, em São Paulo, ao levar pertences para sua mãe, quando esta esteve presa no local, por oito meses, em 1970.
Elas chamam a atenção, não apenas por serem preconceituosas e burras — Eugenia Zerbini é filha de general e bem sucedida executiva do mercado financeiro, e já foi vice-presidente do Citybank, em Nova York, e não está pleiteando qualquer tipo de indenização — mas por tentar “linkar” as Forças Armadas com a tortura.
Isso, quando se sabe que pouquíssimos militares das três forças se envolveram nesse processo, e que, nos centros semiclandestinos em que se cometiam esses crimes havia desde a banda podre da Polícia Civil e Militar, até médicos, informantes e sádicos de toda a espécie, que se aproveitavam do regime e da impunidade para cometer seus crimes. 
Uma das táticas mais manjadas dos hitlernautas, nos últimos tempos, e da direita antidemocrática, em seus redutos virtuais, tem sido a de tentar jogar os militares  profissionais brasileiros contra o resto do país, como se eles se confundissem com os torturadores do regime militar.
O negócio é dar a impressão de que as Forças Armadas  compactuaram e defendem os canalhas que, muitas vezes, sem nenhum vínculo com a Marinha, o Exército, a Aeronáutica, estupraram, torturaram e mataram,  protegidos pelos muros dos porões, homens e mulheres já dominados e desarmados, sem nenhuma chance de  defesa.
À sua frente, não estavam perigosos “terroristas” mas, em sua imensa maioria — como aconteceu com a família Zerbini — estudantes secundaristas e universitários, médicos, militares, advogados e jornalistas, que, como Vladimir Herzog, ou Rubens Paiva, nunca tinham empunhado uma arma em sua vida, a não ser a sua caneta, a sua mente, a sua palavra.
Eram presos na rua, desarmados e sem resistência, encontrando-se com amigos e colegas, ou apanhados em suas casas, na calada da noite, como se sequestrados tivessem sido por vulgares bandidos. E muitos passaram pela tortura e foram assassinados sem ter nenhuma orientação ou militância política, mas apenas pelo fato de serem parentes ou amigos de quem estava sendo perseguido.
O militar é o cidadão fardado. Ele é pai, ele é filho, ele é irmão. O militar não compactua com estupro, com a primazia da força sobre a justiça, com agredir covardemente o inimigo desarmado, imobilizado, sem reação. O militar não preza o porão, o instinto animalesco da tortura, o ódio desatado e perverso do psicopata que tem o poder na mão.
O militar brasileiro preza o campo de manobras, a bandeira da pátria desfraldada ao sol, o avanço dos tanques e da infantaria, a “Selva!” profunda da Amazônia, o vento que sustenta o corpo do paraquedista em queda livre, que bate no rosto do marinheiro no convés da fragata ou da corveta, na pista do porta-aviões ou na torre do submarino, ainda molhado, que acabou de emergir.
O militar brasileiro honra seu uniforme, tem — desde a escola e a academia — orgulho de participar, de se perfilar e desfilar com seus companheiros de arma, mas não se sente diferente, nem superior.  Ele toma sua cerveja, gosta de assar uma carne, passeia com a família, frequenta a igreja, o cinema, leva o filho ao futebol e, de dois em dois anos, comparece à sua Seção Eleitoral,  exercendo, como qualquer brasileiro — seu pai, seu irmão, seu sobrinho, seu avô — o direito que tem de influenciar e decidir, pelo voto secreto e universal, o destino de sua cidade, de seu estado e de seu país.
Ele obedece à sua consciência de cidadão, e não dá ouvidos às sinuosas e interesseiras serpentes que — na internet, ou solertemente introduzidas dentro dos quartéis — querem enganá-lo e subverter a sua opinião. Por isso, o militar brasileiro típico não se mete com política. Porque sabe que, depois, quem se beneficia é quem está por cima, quem quer tomar o poder no grito, arrumar uma boquinha, quem vai meter a mão.
O militar brasileiro preza o bom combate. A disputa limpa, homem contra homem, guerreiro armado contra seu oponente, o calor da luta, a vitória honrada, fruto da estratégia, do esmerado preparo, da determinação. Ele tem orgulho de defender, contra o soldado estrangeiro, as cores da sua nação.
O militar brasileiro não gosta de porões escuros, cercados por muros, nem de espancar velhos, ou ameaçar crianças, com a metade do seu tamanho. Ele despreza quem usa o uniforme — ou se esconde por trás de outros homens que honram as calças que vestem — para pisar sobre os outros, cometer crimes, massacrar o cidadão.
Suas armas são o blindado da cavalaria, as armas da infantaria, os barcos e submarinos da Marinha, o manche e o joystick do avião.
Os tanques Guarani, os velhos Leopard, Cascavel e Urutu. O AMX modernizado, as novas fragatas da Marinha, o míssil ar-ar A-Darter,  o submarino de propulsão atômica que estamos construindo, o Exocet com motorização nacional. O obus, o lança-granadas, os foguetes Astros, os mísseis da Mectron. Os AK-57, a HK, o M4, das Operações Especiais. Os rifles, as carabinas, os Snipers da Imbel, forjados em aço brasileiro, que ele sente, ao apertar a coronha e o gatilho no campo de tiro, junto com o bater do acelerado coração.
As armas dos militares brasileiros, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, não são o choque elétrico, o  chicote, a palmatória, o porrete, a borracha dobrada, o “telefone”, o pau de arara, o estupro,  ameaçar prender e torturar uma mãe, um filho, uma filha, um irmão, não são o terror contra outros brasileiros, ou a intimidação.
Os heróis do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, não são aqueles que — sem sequer pertencerem às Forças Armadas — mataram, na covardia e na pancada, brasileiros desarmados e amarrados em porões ilegais e clandestinos ou deram sumiço aos seus corpos nas sombras do terror.
Os heróis do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, são aqueles que pereceram na defesa das costas brasileiras e na Campanha da Itália, e seus corpos passaram anos ao sol, à neve e à chuva do Cemitério de Pistoia. Eles caíram, lutando digna e honradamente, contra soldados inimigos, e não contra civis, por um pedaço de mar, por um pedaço de céu, por um pedaço de chão.
Os heróis de nossas Forças Armadas deram sua vida pela liberdade e a democracia, no Atlântico e na montanha, em lugares como Monte Castello, Castelnuovo, Montese, Collechio, Fornovo di Taro — onde o Brasil fez quase 15 mil prisioneiros em uma única batalha, obtendo a rendição incondicional do general Ottto Fretter Pico, comandante da 148 Divisão Wermacht, e do general Mario Carloni, comandante da Divisão Bersaglieri Italia, capturando centenas de caminhões e veículos militares, evitando que essa importante força escapasse para a Alemanha.
Os brasileiros que caíram em nossa mais gloriosa guerra, o fizeram porque estavam combatendo o nazismo. Um regime em que não havia voto, e a tortura, o assassinato e o estupro de quem não concordava com a ditadura hitlerista e lutava pela liberdade era moeda corrente. Os nossos pracinhas — cuja memória nunca é demais reverenciar — lutaram para que os brasileiros pudessem, um dia, votar livremente em seu presidente e livremente expressar suas ideias.     
Eugenia Zerbini não foi estuprada porque sua mãe fosse uma perigosa terrorista. A senhora Therezinha Godoy Zerbini era esposa do general de Exército Euryale de Jesus Zerbini, destituído do comando de sua tropa por ter honrado seu juramento e resistido com seus homens ao golpe, e  ficado do lado da lei — que manda que o militar obedeça à hierarquia, ao comandante em chefe das Forças Armadas, que é o presidente da República, e à Constituição.
TODO O PODER EMANA DO POVO — e os militares são filhos, irmãos, sobrinhos, netos, do povo brasileiro — E EM SEU NOME DEVE SER EXERCIDO (por meio do voto), diz a Constituição.
Ao contrário do que pensam os hitlernautas do UOL, Eugenia Zerbini não virou líder comunista nem precisa de indenização. Ela fez carreira como alta executiva do setor financeiro e foi vice-presidente do Citibank em Nova York.
Dona Therezinha Godoy Zerbini — esposa de um general e cunhada do doutor Euclides Zerbini, um salvador de vidas, pioneiro dos transplantes de coração no Brasil — fundou o Movimento Feminino pela Anistia, a foi uma das maiores defensoras dessa causa no Brasil.
Quem estuprou Eugenia naquela tarde deveria reverenciar a sua família e agradecer a coragem e a determinação de sua mãe. Se não fosse sua luta pela anistia — que beneficiou igualmente a quem foi torturado e a quem torturou — os estupradores de sua filha estariam na cadeia, pagando pelos covardes e desprezíveis crimes que cometeram.

Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.

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