Lampião, de enfermo a turista
Geraldo
Duarte*
Popularmente e nas
narrações dos biógrafos de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a sabença de
seus ferimentos, em refregas, e enfermidades outras, faz-se
conhecida.
Afirmam ter sido
vítima de cinco lesões à bala. No ombro e virilha, ocorridas em 1921, em
Conceição do Piancó, Paraíba. No ano seguinte, recebeu um tiro de raspão na
cabeça. “Só por um milagre escapei” - disse o cangaceiro-maior ao doutor
Otacílio Macedo. Projeteis, em 1924, 1926 e 1930, atingiram-lhe o dorso de um
pé, à omoplata e o quadril, respectivamente. Ocorrências essas registradas nos
municípios de Serra do Catolé, Belmonte e Floresta, Pernambuco, e Itabaiana,
Sergipe.
O traumatismo da
região inguinal, talvez, haja provocado seu modo de andar coxeante.
O jornal Correio de
Aracaju, de 03/08/1938, divulgou notícia procedente de Maceió, afirmando que
Aristéia Soares de Lima, que pertenceu ao cangaceirismo, se entregou. À polícia,
em Santana de Ipanema, declarou que Virgulino “gostava de fotografar-se de
pince-nez” e “era corcunda, coxo e cego de um olho.”.
De certeza, a saúde
do capitão do Batalhão Patriota fragilizava-se com sérios problemas
oftalmológicos.
A perfuração do
globo ocular direito, causada por espinho ou garrancho de planta da caatinga, na
década de vinte do século passado e, ainda, uma doença degenerativa que afetava
a vista esquerda, poderia concorrer para uma cegueira funcional. Segundo
relatos, esta visão era prejudicada por um leucoma que provocava intenso
lacrimejar. Etiologias infecciosas comuns no Nordeste, como sarampo ou tracoma,
podem ter sido causa, conforme estudos de especialistas.
Afora tais males,
somava-se o de fotofobia, obrigando Virgulino à utilização permanente de lentes
escuras.
Em 1929, por
insistência de Maria Bonita, em face dos constantes incômodos visuais do amásio,
levou-o a trajar-se com roupas habituais de proprietários de terras locais,
modificar a aparência física e procurar atendimento médico. Foi internado, sem
que lhe identificassem, no Hospital da Caridade de Laranjeiras São João de Deus,
interior pernambucano.
O oftalmologista
Antônio Militão de Bragança atendeu-o, tratou-o, extraiu-lhe o órgão vazado e
cuidou do outro. Quase um mês de assistência hospitalar levou a
recuperação.
Pagas todas as
despesas, em uma madrugada, furtivamente, partiu. Antes, escreveu em parede do
quarto: “Doutor, o senhor não operou fazendeiro nenhum. O olho que o senhor
arrancou foi o do Capitão Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.”.
O chefe da
cangaceiragem aterrorizou cidades de sete estados nordestinos, Bahia, Sergipe,
Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Jamais estivera em
uma capital. Isso, até 19 de outubro de 1926.
Anterior ao
tratamento comentado e procedido pelo doutor Antônio Bragança, o “Rei do
Cangaço” necessitou de intervenção terapêutica mais complexa, somente realizada
em clínicas oftálmicas especializadas.
A dificuldade
acreditada insolúvel para o bandoleiro mostrou-se facílima para o coronel e
deputado José Abílio de Albuquerque Ávila, seu coiteiro e fornecedor de
armamentos e munições. A solução era viajar à mauriceia.
Não confiando em
ninguém na vida, incluído o próprio Abílio, Lampião acampou cinquenta de seus
cabras na fazenda do acompanhante, como garantia e segurança para a ida, a
estada e o retorno da arriscada empreitada.
Disfarçado de
latifundiário, usou barbas crescidas, óculos escuros, chapéu de massa, terno
elegante e preparou-se para a viagem com seu protetor.
De trem, rumaram de
Garanhuns para o Recife.
Ali, submeteu-se a
terapêutica ambulatorial com o então famoso cirurgião Isaac Salazar da Veiga e,
durante a permanência, fez-se verdadeiro turista.
Pasmou-se com o
intenso movimento de veículos pelas ruas e de pessoas nos estabelecimentos
comerciais. Admirou-se com a imponência das igrejas. Visitou-as e nelas rezou.
Passeou em bondes elétricos, indo à Olinda, quando conheceu a Sé e o Seminário.
Surpreendeu-se com a imensidão do oceano, que desconhecia, e impressionou-se com
os tamanhos dos navios. Conheceu o Cinema Royal, na rua Nova, onde assistiu a um
filme, em cartaz, sobre a atividade militar. O Palácio do Campo das Princesas e
o Quartel do 2º Batalhão mereceram especiais atenções. Frequentou o restaurante
do Hotel Leão, na rua do Rangel, à época dos mais preferidos pelo
público.
Turismo intenso
viveu Lampião em sua temporada recifense.
*Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
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