DATA VENIA, BRASIL
Ruy Martins Altenfelder Silva*
Data venia
é uma expressão respeitosa, em latim, que introduz uma argumentação
contrária à opinião de outra pessoa, significando literalmente “com a
devida licença”. Mais recentemente, passou a ser utilizada quase que
somente por advogados, parlamentares, juízes e alguns outros
profissionais. E, assim mesmo, com tal parcimônia que está sendo
entendida muitas vezes como ironia, tal a agressividade da contestação
que vem na sequência. Neste artigo, a expressão é utilizada em seu
sentido estrito para indicar que, embora possam ferir algumas
suscetibilidades, as reflexões têm o intuito único de trazer à luz
algumas posturas que geram preocupação, insegurança e indignação.
A primeira data venia
vai para a tolerância a pessoas ou grupos que aproveitam as
manifestações para praticar atos de agressão contra pessoas e/ou de
vandalismo contra bens públicos e privados. Tolerância essa dispensada
por certas autoridades públicas dos três Poderes, que encaram com
leniência o fato de que tais atos constituem crimes capitulados no
Código Penal e não encontram abrigo na liberdade constitucional de
expressão de manifestação.
A segunda data venia
vai para os maus operadores do direito, que desrespeitam o código de
ética profissional e protagonizam atos condenáveis como manipulação ou
ocultação de provas; a busca da celebridade ao custo da perda da
credibilidade; o desrespeito às autoridades constituídas; a cumplicidade
com réus confessos e condenados, que têm, sim, o direito à ampla
defesa, mas não a auxílio advocatício para a continuidade das práticas
criminosas que os levaram à cadeia.
A terceira data venia vai para a sociedade, que consagra e até cultiva o famoso jeitinho
brasileiro, que quase sempre funciona como um corolário da conhecida
(embora injusta para a personagem) Lei de Gerson, ou seja, levar
vantagem contornando ou prejudicando direitos alheios. Nesse cesto bem
amplo cabem os falsos ou incompletos depoimentos prestados às
autoridades. Também a propina escorregada para as mãos ávidas do
servidor público como paga pela vista grossa a infrações à lei ou para
acelerar/retardar processos judiciais. E, por que não?, as nomeações
políticas para cargos públicos, com o intuito de beneficiar determinados
grupos, aproveitando ou driblando o emaranhando legal brasileiro que,
bem estudado e melhor utilizado, oferece escapatórias para quase todos
os tipos de ilegalidades.
A quarta data venia
está endereçada àqueles críticos contumazes de deslizes alheios que se
recusam a separar o joio do trigo. Ou seja, de analisar com serenidade e
admitir que em todas as áreas de atividade podem ocorrer erros humanos,
sem que configurem atos de má fé ou criminosos. Aos leitores dedico,
com antecipação, a quinta data venia por eventuais omissões na
listagem de posturas inadequadas, arranhões na ética, desrespeito às
leis e outras práticas abusivas. A não citação não implica em
tolerância. Mas, data venia, as reflexões acima pretendem ser
apenas uma modesta contribuição contrária à máxima popular consagrada
por séculos de permissividade: aos amigos, os benefícios da lei; aos
inimigos, o rigor da lei. Isso porque, no estado democrático de direito,
a lei deve ser sempre igual para todos.
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).
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