Opinião
Mauro Santayana
- Quando as grandes empresas de internet surgiram, nascidas
nas universidades, e não nos grandes grupos de comunicação que já
existiam, houve esperança de que elas viessem a contribuir para a
consolidação de um ambiente de produção, publicação e troca de
informações realmente livre.
Um
novo espaço que privilegiasse o indivíduo no lugar do Sistema,
ajudando-o a libertar-se do deletério domínio da mídia tradicional,
umbilicalmente ligada, de parte a parte, por milhares de tentáculos, aos
maiores grupos empresariais privados, que, no mundo inteiro, e em cada
país, trabalham para manter o status quo e defender seus interesses,
entre eles o de continuar - mesmo depois do surgimento da Rede Mundial
de Computadores - a manipular e a explorar, do nascimento à morte, o
homem comum.
Website
mais visitado do mundo, e a marca mais valiosa do planeta, com
aproximadamente 25.000 funcionários, um enorme faturamento e bilhões de
usuários, o Google parecia ser uma dessas empresas, voltada, como rezava
a missão inicial do “navegador” criado por Larry Page e Serguey Bryn,
para “tornar a informação mundial universalmente útil e acessível.”
A
primeira impressão, era a de que o Google buscava, ao menos
aparentemente, uma aura de identificação e comprometimento com os
“melhores” valores, que se refletia no lema “dont be evil” - “não seja
mau”, e outros slogans relacionados de sua “filosofia corporativa”, como
“você pode ganhar dinheiro sem fazer o mal”, ou “você pode ser sério
sem um terno”.
Uma
impressão reforçada - teoricamente - pelo fato do Google não perder
uma oportunidade de declarar seu “marcante” comprometimento com a
neutralidade da internet, como diz, quase sempre, seu vice-presidente e
“Chief Internet Evangelist”, Vint Cerf, quando afirma que “não se pode
permitir que os provedores de acesso controlem o que as pessoas vêem e
fazem online.”
No
entanto, o Google, além de ter tido problemas em vários países do mundo
no quesito privacidade, sempre esteve estreitamente ligado à comunidade
de informações norte-americana, como revelaram jornais como o The
Huffington Post , no ano passado, reproduzindo e-mails divulgados pela
Al Jazeera America, trocados entre o Presidente da NSA (Agência Nacional
de Segurança) dos EUA, o general Keith Alexander, o Presidente do
Google, Erick Schmidt, e um dos seus fundadores, Serguey Bryn, nos anos
de 2011 e 2012.
Afinal,
porque o Google - em uma excelente jogada de relações públicas - por
meio do seu presidente Erick Schmidt - fez questão de receber na sede da
empresa a Presidente brasileira Dilma Roussef em sua recente visita aos
Estados Unidos ?
Não
apenas porque o Brasil é o quinto país do mundo em usuários de internet
ou abriga o único Centro de Desenvolvimento Tecnólógico do Google na
América Latina.
Mas
também, e principalmente, porque no auge do escândalo de vigilância
global da NSA, e dos Five Eyes - a aliança de espionagem anglosaxônica
que reúne os EUA, a Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia e o Reino Unido
e “parceiros privados” - em que Edward Snowden desnudou ao mundo o
gigantesco sistema de monitoramento em massa e a íntima correlação entre
agências de informação dos EUA e grandes empresas norte-americanas que
dominam o negócio da internet - incluindo, como vimos, o Google - foi
Dilma Roussef que liderou a reação mundial aos EUA, suspendendo sua
visita de Estado aos Estados Unidos, e aliando-se à Chanceler alemã
Angela Merkel, na apresentação e aprovação, na ONU, por 193 países -
contra a vontade de Washington - das diretrizes de uma “lei de internet
mundial” a resolução sobre “O Direito à Privacidade na Era Digital”.
Diante
do gigantismo do Google e do dinheiro que aplica em marketing -
incluindo um bilhão de dólares para um fundo de filantropia - é preciso
prestar a atenção em detalhes para encontrar provas de seu claro
comprometimento com o status quo e as forças mais conservadoras em cada
país em que atua.
Talvez
a mais evidente delas, que pode passar - e essa é a sua função -
desapercebida pela maioria dos leitores, é a presença de uma seção
denominada de “Sugestões dos Editores”, que se pode ver no alto da tela,
na coluna da direita, da página inicial do Google Notícias.
Dependendo
do momento em que estiver olhando, o leitor pode se deparar com
chamadas para matérias prosaicas, como dicas de beleza, dietas, etc.
Mas,
na maioria das vezes, ele terá chance encontrar, “casualmente”, no
mesmo espaço, no Brasil, por exemplo - mas não apenas em nosso país - o
mesmo tipo de conteúdo reacionário, anacrônico e fascista, que intoxica
maciçamente a internet brasileira, hoje, o que leva, naturalmente,
qualquer leitor mais atento a se perguntar : que raios de “editores” são
esses?
Seriam “editores” do Google? Ou “editores” voluntários, organizados em grupos de leitores?
Não.
Trata-se de “editores” de veículos de informação “tradicionais”, que
enviam suas “sugestões”, principalmente de artigos de opinião, ao
Google, por meio de feeds.
Em suas informações sobre a seção, o Google explica que qualquer veículo pode enviar uma sugestão.
Mas quem escolhe quais e em que ordem essas sugestões irão ser publicadas na primeira página do Google News?
Se
fossemos pensar no âmbito exclusivamente empresarial, compreende-se que,
procurando fabricar de óculos a relógios, de carros a balões de
reprodução de sinal de internet - e ampliando suas atividades para
serviços correlatos de fornecimento de banda larga para usuários finais,
que acaba de lançar nos EUA - o Google se sinta cada vez mais como
parte do ambiente empresarial tradicional, voltado para ganhar dinheiro
e lucrar com o consumidor final - no seu caso, bilhões de consumidores
finais - com os quais estabelece contato, por meio de seu brownser,
todos os dias.
Também
se comprende que o Google busque boas relações com grandes empresas
jornalísticas dos países em que está presente, de onde busca - ainda - a
maior parte do conteúdo informativo apresentado a seus usuários por seu
motor de pesquisa, principalmente depois que foi proibido de indexar
esse conteúdo - por ter se recusado a pagar por ele - , em países como a
Espanha.
O
problema é que, ao fazer isso - dar destaque às “sugestões dos editores”
- um eufemismo para levar o consumidor a ter acesso destacado e
facilitado, no alto de página, ao diktat da mídia tradicional,
manipuladora e conservadora que predomina nos países em que atua, o
Google está tomando uma atitude política, e também está renegando,
descaradamente, o seu “GUIA DE NEUTRALIDADE DA REDE” e os princípios que
ele evidencia, quando afirma que:
“Neutralidade
da rede é o princípio de que os usuários da Internet devem estar no
CONTROLE DO CONTEÚDO QUE ELES VÊEM e de quais aplicações eles usam na
internet. A Internet tem operado de acordo com este princípio de
neutralidade desde seus primeiros dias... Fundamentalmente, a
neutralidade da rede é a igualdade de acesso à Internet. Em nossa
opinião, as operadoras de banda larga não devem ser autorizadas a usar
seu poder de mercado para discriminar candidatos ou conteúdos
concorrentes. Assim como as empresas de telefonia não estão autorizadas a
dizer aos consumidores para quem eles devem ligar ou o que eles podem
dizer, as operadoras de banda larga não devem ser autorizadas a utilizar
seu poder de mercado para controlar a atividade online.”
E
também está, na verdade, rasgando os compromissos assumidos com o
público, quando do lançamento do seu serviço de notícias, em 2002,
quando afirmou que havia criado um site “altamente incomum” que oferecia
um serviço de notícias compilado UNICAMENTE por algoritmos de
computador, SEM INTERVENÇÃO HUMANA, ressaltando que para esse serviço
não empregava “editores, editores de gestão, ou editores executivos.”
Como
os usuários devem estar no controle do que eles vêem? Como “unicamente”
por “algoritmos de computador” e sem “intervenção humana” ?
São
robôs os “editores” privados que determinam com suas “sugestões” no
alto da coluna da direita, da página inicial do Google News, todos os
dias, o que o leitor deve ler, nos países em que o Google atua,
começando pelos Estados Unidos?
Desse ponto de vista, o Google pode não estar empregando “editores”. Mas nem precisa.
Ao
menos nessa seção, o maior site de buscas do planeta preferiu
terceirizar o trabalho de escolher o que seus usuários devem ler para os
grandes grupos de mídia. Abrindo mão de estabelecer - por meio da
internet - um marco na história da comunicação - um novo patamar na
relação entre o indivíduo e o universo informacional, para
transformar-se, como um mero aparelho de rádio ou televisão, em apenas
mais um instrumento de repetição e disseminação do que dizem os maiores
jornais e revistas de cada país em que atua. Delegando a essas empresas e
jornais - que tem seus próprios compromissos e interesses - o direito
de determinar o que eles acham que é mais importante e conveniente -
para eles e seus anunciantes, é claro - que os usuários vejam e leiam.
Ainda
em suas informações sobre o serviço, o Google diz que é possível para o
leitor escolher com que “editores” prefere ter mais “vínculos”, e
existe até mesmo uma barra deslizante para que ele possa “personalizar
esta fonte de notícias”, mas a maioria dos usuários tem tempo,
conhecimento, ou iniciativa para trabalhar com ela ?
E
como fica isso no caso das centenas de milhões de usuários que acessam o
Google News sem ter uma conta do Google, ou em “lan houses” e
“cybercafés”- como ocorre na maioria dos países mais pobres - ou de seu
trabalho, por exemplo?
Eles vão deixar de ler, e de ser influenciados, pelas chamadas dessa seção específica?
Seria
mais honesto que - caso se visse a isso obrigado, mesmo considerando-se
o público que já acarreta para os portais da mídia tradicional - o
Google colocasse como publicidade claramente identificada, banners
dirigidos para o conteúdo desses veículos na primeira página do Google
News e cobrasse - claramente - por esse serviço.
Ao
disfarçar esse conteúdo, colocando-o no alto da página, mas obedecendo
ao mesmo layout, tamanho de letra, etc, das chamadas normais de conteúdo
automaticamente indexado, o Google mostra que tem reforçado, ao longo
do tempo, de forma sutil, mas reconhecível, uma decisão clara: a de
ficar ao lado do Sistema e não do cidadão, ajudando a reproduzir os
esquemas de poder, dominação e manipulação que existem no mercado
editorial e jornalístico de cada país, na rede mundial de computadores.
Transformando-se
em um instrumento e uma extensão a mais da "fabricação do consenso", ou
do consentimento, de que fala Noam Chomsky e do controle do sistema
jornalístico tradicional sobre o homem comum, e contribuindo para
estender o poder dos grandes grupos empresariais de comunicação de cada
país sobre a opinião pública.
Com
seus carros que andam sozinhos, o Google Earth, o novo serviço que
permite chamar do Gmail para telefones, e suas ações no apoio à pesquisa
científica e à filantropia, a marca Google pretende ser apresenbtar-se e
ser identificada com uma empresa inovadora, que pareça estar voltada,
como um farol, para o século XXI e o futuro.
Livrar-se
dessa excrescência incômoda, do ponto de vista moral e político,
deixando apenas os algoritmos, a busca temática, e o critério de
relevância arimética, como mecanismos de escolha do leitor, na primeira
página de seu serviço de notícias - isso, sim, faria do Google, ao menos
aparentemente, uma marca realmente inovadora do ponto de vista da
relação da mídia com a opinião pública.
Quem
sabe, assim, o Google poderia abrir caminho para se transformar em uma
companhia verdadeiramente global - da forma como pretende apresentar-se e
quer que o público o reconheça - e não - como ele parece ser agora -
uma mera extensão do poder do establishment norte-americano - e de seus prepostos locais - sobre a internet e os seus usuários em todo o mundo.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo
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