Agradeçam ao Lira Neto que descobriu o Henrique pra gente

É massa, mas é paia


O cearense é um bicho massa e paia ao mesmo tempo. Vaia o sol num dia de chuva. É massa. Ri de tudo e na hora errada. É paia. Faz da gambiarra um passaporte para a felicidade. É massa. Prefere o remendo à solução. É paia. Adora história de menino pobre que passou no vestibular mais difícil da cidade. É massa. Gosta de se ufanar dos gênios que produz em escala industrial nos colégios particulares. É paia. Divide a sombra do poste com outra pessoa. É massa. Corta as árvores. É paia. Segura a porta do elevador pra quem está chegando. É massa. Estaciona na vaga do idoso. Paia. É banhado (a) e cheiroso (a). Massa. Joga lixo pelo vidro do carro. Paia. Faz chuva de gliter no Carnaval. Massa. Atira um punhado de maisena no olho. Paia.

O cearense vive orbitando nesse universo binário do massa/paia. A gente é massa porque é vocacionado à galhofa. Mas é paia porque odeia quando tem de segurar o riso, que, entre nós, é uma espécie de frieira atávica passada de geração para geração e perpetuada nos genes. Numa geografia adversa, é massa a predisposição à pilhéria, que acaba salvando muita gente de endoidecer. Ocorre que o excesso pode ter efeito contrário, e o que era massa fica paia.

Uma ida ao teatro ou ao cinema exemplifica. Se é pra chorar, rimos. Se é pra rir, rimos mais ainda. Se o instante impõe silêncio, risinhos se espalham pelas beiradas da plateia. É mais forte que a gente, e isso é paia. É como se a realidade imediata fosse roteirizada por Rossicleia ou Tom Cavalcante. Nosso diretor de elenco é Tiririca. Nosso editor de som, Victor Hannover. E há um Sinfrônio contracenando no interior de cada um dos nascidos nas terrasde Alencar.

Tudo porque o caráter do gentio é dúbio, híbrido e pendular. Hospitaleiros – massa. Mas linchadores de assaltante – paia. Receptivos, massa. Mas pródigos em desrespeitar regras mínimas de convivência. Paia. Rir da chuva caindo. Massa. Cortar a árvore onde os mendigos penduravam o colchão na praça. Paia.

É massa ter saída para quase todos os problemas. É paia quando todas as respostas são provisórias e precisam de outra demão de tinta pouco tempo depois. É massa ter orgulho da capacidade de invenção e da natureza obstinada do nativo. É paia quando a gente ilustra isso com o exemplo dos cearenses que ocupam mais da metade das vagas nos institutos de ensino de São Paulo e Rio.

É massa quando festejamos a vitória de um aluno de escola pública que ganhou bolsa para estudar numa das melhores instituições de outro país. É paia quando ficamos deslumbrados com a lógica VIP das turmas especiais de colégios particulares, a mesma que multiplica aprovados unicamente para estampar nas propagandas. É massa ver tantas bicicletas na cidade. É paia um estacionamento gigantesco à beira-mar.

É massa estar feliz e não querer ir embora do lugar onde se vive. Afinal, o Brasil passa férias aqui. Mas é paia não ir além do mero reconhecimento de uma beleza geográfica que se limita, quando muito, ao litoral. É massa sublimar dificuldades com o riso, transformando queda em passo de dança. É paia quando o riso é convocado para recalcar os problemas e escondê-los debaixo do tapete. Por tudo isso, o cearense é muito massa, mas também é muito paia.

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