Quem é presidente
É
passável que Michel Temer negue haver conspirado para o afastamento de
Dilma Rousseff. Ou que faça acrobacias mentais para afirmar que foi
muito votado, sim, para vice. Não se esperaria que fosse mais veraz do
que incapaz de respostas respeitáveis. Mas intitular-se presidente, como
se viu repetidas vezes na entrevista a Roberto D'Ávila (GloboNews), não
é apenas um feito a mais de fragilidade ética.
Dilma
Rousseff não perdeu o título conquistado nas urnas. A ele foi
acrescentado, para o decorrer do processo de aprovação ou recusa do seu
impeachment, um adjetivo apropriado: presidente afastada. Tal
afastamento, por sua vez, não se inclui nos casos de vacância da
Presidência citados pela Constituição e, só eles, resultantes em posse
de novo presidente. Além do mais, o regime constitucional brasileiro não
comporta dois presidentes.
Como
nos casos de licença presidencial, para viagem, tratamento de saúde,
outros motivos pessoais, a Presidência fica exercida sucessivamente pelo
vice ou pelo presidente da Câmara, o do Senado ou o do STF (Supremo
Tribunal Federal), sem que a qualquer um deles seja transferido o título
de presidente. Em todas essas hipóteses, mesmo o título de presidente
interino (transitório, temporário) é impróprio, por se utilizar de um
título ainda aplicável ao detentor original.
O título de Temer é vice-presidente em exercício da Presidência. Ou, simplificado, vice em exercício.
Intitular-se
presidente indevidamente pode ser visto como usurpação de direito
alheio, legítimo e exclusivo. O provável é que haja quem o veja até como
falsidade ideológica, passível de processo criminal. Em princípio,
impeditivo do exercício da Presidência.
Se
não apreciar o título correto, o vice em exercício Michel Temer tem uma
alternativa para manter, sem maior erro, a denominação que prefere.
Como a de presidente não terá legitimidade, pode contrabalançá-la:
presidente ilegítimo.
Tem até a utilidade do duplo sentido.
INVERSÕES
Numerosos
senadores, inclusive do anti-PT, reagiram à batida da Polícia Federal,
em busca do ex-ministro Paulo Bernardo na residência da senadora Gleisi
Hoffmann, em imóvel do Senado. A PF agiu sem a autorização da única
instância autorizada a dá-la -o Supremo Tribunal Federal. Admitir que a
direção e delegados da PF não soubessem dessa exigência seria
depreciá-los por muito pouco. O mesmo se pode dizer do juiz que, sem
competência para tanto, emitiu a autorização.
O
que talvez se torne explicável pela relação de Paulo Bueno de Azevedo,
da 6ª Vara Federal Criminal de SP, com sua orientadora Janaína Paschoal
-a coreográfica advogada que recebeu dinheiro do PSDB para fazer um
parecer sobre o impeachment de Dilma (Em tempo: que se saiba, não é em
coreografia política que o juiz se faz orientar).
De
fato, há erros demais para um só episódio. Mas se o Senado ainda não
percebeu, na atual inversão de autoridade e de preceitos os senadores
estão ultrapassados no status institucional. Têm situação ainda muito
melhor que a dos deputados, mas inferior à da Polícia Federal, de parte
do Ministério Público e de parte do Judiciário. Na semana passada, até o
Supremo precisou reagir, por intermédio do ministro Teori Zavascki, à
apropriação de atribuições judiciais suas pela Polícia Federal.
É
a sério essa observação. Estamos a caminho, já entrados nele, de muitas
inversões radicais, para um novo regime. Seria melhor começar a
observá-lo.
PRÊMIO
O
delator e empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, foi condenado pelo
juiz Sergio Moro a oito anos e dois meses. De liberdade, para desfrutar
sua riqueza feita sabe-se como. A pena não passa do papel (e sem
trocadilho).
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