FIDEL E O SAFARI AFRICANO
Reza a lenda - em piada tudo é
possível - que, nos tempos em que estava liberada a caça, uma numerosa
turma de turistas que fazia um safari em certo país africano, saiu pela
manhã do acampamento, deixando, nas barracas, apenas um cozinheiro
gago.
Perto da hora do almoço, estava o
nosso nobre portador de disfemia cortando grandes filés de um imenso
pedaço de carne bovina que havia descongelado, quando, atraído pelo
cheiro de sangue, um leão introduziu-se, silenciosamente, na tenda, por
trás dele.
Caçando, também, há dias, sem sucesso,
ao ver a carne recém cortada e o cozinheiro, que - para o leão,
naturalmente - não era de se jogar fora, já que estava, digamos assim,
um pouco acima do peso, foi natural que o estômago da fera se
manifestasse, com um longo, profundo e poderoso ronco, que fez com que o
homem se virasse, apavorado, dando de cara com o felino, a enorme juba
desgrenhada e os olhos vermelhos, já retesado para o salto, com a
bocarra semi-aberta, de onde escorriam, viscosos, grossos fios de
saliva.
Paralisado pelo medo, primeiro,
apenas, com o barulho que saía das entranhas do bicho, e depois pela
pavorosa visão que estava à sua frente, o cozinheiro, tremendo como vara
verde, apoiou, para não cair, o cabo da faca enorme que estava em sua
mão na mesa, e, sentindo as pernas desfalecerem, foi escorregando
lentamente para o chão, na expectativa de desmaiar de pavor debaixo do
móvel, e a esperança de que o leão comesse primeiro a carne que já
estava fatiada e só depois a dele.
Foi nesse mesmo instante que deu-se o desenlace, trágico - para um dos lados - do episódio.
O leão, rugindo, saltou por cima da
mesa, certamente para alcançar, primeiro, o cozinheiro, mas acabou
caindo sobre a faca que o outro estava segurando, e, ferido de morte,
arrastou-se, moribundo, para fora, onde, em frente à entrada do
acampamento, deu, deitado, o último grunhido.
Tremendo, sem acreditar que o animal
estava mesmo morto, o gago aproximou-se do leão, e, com muito cuidado,
levando nisso quase meia hora, aproximou o pé da sua cabeça, cutucando
de leve seu pescoço com a ponta da bota.
E estava ele nessa atitude, com a faca
ensanguentada ainda na mão direita, quando surgiu, no horizonte, o
grupo de turistas, que, frustrados por não terem caçado nada, voltava
ao acampamento para o almoço.
À medida em que se aproximavam, se
apercebendo da cena, os caçadores davam vivas e batiam palmas para o
mestre-cuca, que, tudo indicava, havia matado o leão praticamente à
unha, sozinho e armado apenas de seu instrumento de trabalho.
O cozinheiro, por sua vez, parecia que, excitado com a situação, também comemorava efusivamente o acontecido.
Com surpreendente agilidade, ele havia
subido para cima de umas grandes caixas de madeira, e, dirigindo-se aos
companheiros que chegavam, levantando as mãos para o céu, descia o
braço direito, apontando repetidamente a faca para eles, gritando Hip...
Hip....Hip.... Hip...Hip...Hip... aos quais, a cada vez que isso
ocorria, os outros respondiam, ruidosamente, Hurra! Hurra!, Hurra!
E foi assim, na maior euforia, que, em
poucos minutos, morreram todos, incluído o cozinheiro, esmagados pela
manada de hipópotamos cuja aproximação não tinham ouvido, por trás
deles, e que, esmigalhando tudo, passou sobre o acampamento como um
tsunami.
Como aqueles que desenvolveram a tese
de que a queda da União Soviética correspondia à vitória do Ocidente
sobre o mundo e a uma espécie de "Fim da História", - até que a história
esmurrou brutalmente os EUA em uma certa manhã de setembro, com a
sutileza de dois boiengs cheios de passageiros batendo nas torres do
World Trade Center - tem gente que, no contexto da morte de Fidel
Castro, ocorrida ontem, só está vendo o cozinheiro pulando em cima dos
caixotes.
Enquanto os conservadores e os
anticomunistas de plantão estão dando hurras ao gago, comemorando a
morte do velho leão barbado e, mais uma vez, o fim do socialismo como
alternativa utópica a um capitalismo e a uma democracia muitas vezes
imperfeitos e hipócritas, como se vê pela controversa eleição indireta
de Donald Trump, nos EUA, fingindo, malandramente, que
só existem dois países comunistas no mundo, Cuba e a Coréia do Norte; a
China faz o papel do improvável, porém didático, tropel de
hipopótamos, atropelando e atrapalhando, velozes e furiosos, a história
segundo os privilegiados, o faz de conta dos imbecis, o seu discurso
superficial, artificial, midiático, manipulado, tão sólido, consistente e
profundo como um colarinho de chopp.
Tirando um bilhão de pessoas do subdesenvolvimento.
Transformando-se, embora com um regime
de partido único e um sistema financeiro e produtivo altamente
estatizado - e 5 trilhões de dólares em reservas internacionais - no
maior credor do planeta e na segunda maior economia do mundo - por
enquanto.
Sem deixar de ser, ao lado da Rússia e da Índia, também uma poderosa potência espacial e atômica.
Ora, o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?
Se o mundo não tivesse opções, e fosse
unipolar e hegemônico, alguém duvida de que já viveríamos sob um
governo único, autoritário e tirânico?
A História só irá acabar, senhores,
quando e se um dia, acabar a desigualdade, a hipocrisia, a exploração do
homem pelo homem, de países por outros países, a humilhação, a maldade e
a covardia.
Por uma razão muito simples, cristalina:
Dinâmica e incontrolável, caprichosa
como uma amante volúvel, ou uma folha ao vento que precede as
tempestades, a História ainda é o melhor, senão o único, antídoto, de
que dispõem o Homem, a Humanidade, contra a opressão, a injustiça e a
infâmia.
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