Deu no jornal

A vida iluminada de Wanda Palhano

A quarta-feira começou com melancolia e dor. Chegava a notícia do falecimento da advogada e jornalista Wanda Palhano, presidente do jornal O Estado. Sem aviso, a despedida da mulher, que assumiu a presidência do jornal em 1996, provocou um sobressalto marcado pela saudade e o amor entre a família, amigos e admiradores. Aos 84 anos, Doutora Wanda Palhano, como era conhecida, não resistiu a uma parada cardiorrespiratória, na manhã de ontem, no Hospital Monte Klinikum.
O corpo está sendo velado na Ethernus. Hoje, às 8h30, será realizada a missa de corpo presente. O cortejo seguirá até o Cemitério Parque da Paz. O sepultamento ocorrerá às 11 horas.
Natural de Jataizinho, no Paraná, Wanda construiu uma história iluminada, pautada, principalmente, pela coragem em abrir novos caminhos. Filha de Joacy Gonçalves Palhano e Cecy de Holanda, Wanda veio ainda criança para o Ceará. A família morou primeiro na cidade de Guaramiranga e depois em Fortaleza. Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB), e em Administração Pública, pela Universidade Estadual do Ceará.
Na Faculdade de Direito, conheceu e casou-se com Venelouis Xavier Pereira, com quem teve quatro filhos: Ricardo, Stevenson, Soraya e Solange. Ao lado de Venelouis, Wanda descobriu outra grande paixão, o Jornalismo. Desbravadora de mundos, Wanda Palhano foi a primeira mulher a ocupar o cargo de procuradora-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), além de ter sido procuradora federal.
Recebeu os títulos de cidadã cearense, pela Assembleia Legislativa, e o de cidadã de Fortaleza, pela Câmara Municipal, com aprovação unânime entre os parlamentares de ambas as casas. Outra posição de destaque foi na OAB – CE, como a primeira mulher eleita conselheira. “Minha mãe deixou um legado de muita bravura e alegria de viver, de ser uma mulher que estava sempre à frente do seu tempo. Foi uma das primeiras mulheres a se inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil.” – recordou Ricardo Palhano, superintendente do jornal O Estado.
Ricardo Palhano acrescentou que a mãe deixou uma história de amor, de compreensão e carinho. “Uma mãe maravilhosa, soube educar com muita liberdade, ensinando o que era direito”, elogiou.
Trajetória
Uma mulher forte, generosa, humana e inteligente. Wanda reunia muitas qualidades, mas era com a ética e a transparência com os quais escrevia sua própria história e inspirava os mais próximos. A dedicação contra a seca do Nordeste imortalizou o seu trabalho como procuradora-geral do Dnocs. “Até hoje, falam sobre o trabalho dela no Dnocs. Minha avó foi uma mulher pelo menos, um século à frente do tempo dela. Era honesta, de bom coração e ética. Ela deixa um grande legado para o Ceará”, falou, emocionado o neto Eduardo Palhano.
Além da bem-sucedida carreira como procuradora federal, Wanda abraçou com amor e dedicação o Jornalismo. Com Venelouis, fundou o semanário o “Front”. Ela escrevia e editava as matérias da publicação, que era veiculada toda sexta-feira. “Minha mãe e meu pai começaram muito novos no Jornalismo. Ele delegado da Polícia Civil e ela procuradora federal. Mas, se apaixonaram pelo Jornalismo. Quando tiveram a oportunidade de comprar o jornal O Estado, abraçaram de vez essa carreira.”- conta Ricardo.
A partir de 1963, após a compra do jornal, a história de Wanda se entrelaçou com a do Jornalismo cearense. Venelouis morreu em 1996 e ela assumiu como presidente. Doutora Wanda, ao lado dos filhos, liderou a transição do jornal, que havia resistido com coragem a postura adotada de oposição ao governo da época. Foi um novo início, onde mais uma vez ela se sobressaiu com inteligência e bravura, colocando o veículo novamente na trilha do crescimento.

Legado
Wanda Palhano construiu com razão e sensibilidade uma vida plena. Uma mulher que esteve sempre à frente do contexto feminino de sua época. Apesar do sucesso profissional, priorizou a família e deixou muitas lições de vida como legado, dentre elas o dom da compreensão e do perdão. “Minha mãe deixou muita dor, porque a perda dela é irreparável, inaceitável. Mas ela deixou, para mim, o sorriso, a alegria, o perdão, porque, na verdade, ela nunca foi apegada a nada. Quem a conheceu, sabe disso. O que ela tinha de mais bonito era a alegria de viver e a capacidade do perdão”, detalhou, comovida, a filha Soraya Palhano.

Falecimento da presidente de O Estado gera comoção
Wanda Palhano, ícone da imprensa cearense, acumulou ao longo da vida um patrimônio de amor, amizade, lealdade e admiração. A notícia da partida da jornalista e advogada gerou comoção entre amigos, funcionários do jornal e autoridades do Estado.
Albânia Uchoa, uma das mais antigas funcionárias do jornal, conviveu com Wanda por mais de 48 anos. Ela descreveu a importância da amiga em sua vida. “A Doutora Wanda, pra mim, foi, chefe, amiga, conselheira, orientadora, advogada, me apoiava muito, me elogiava, me dava força e dizia: Albânia, você é uma batalhadora, uma heroína, uma guerreira. Tenho grande admiração por você, sempre lhe vi aqui, dentro do jornal, correndo atrás, querendo vencer na vida. E você, com essa garra que tem, vai crescer porque é muito trabalhadora e vai alcançar seus objetivos”, recordou Albânia.
Muitos anos depois, incentivada por Wanda, Albânia resolveu fazer faculdade. “Ela me incentivou muito, pediu para não desistir e ofereceu ajuda. Ela para mim foi muito especial, pois me dava segurança. Foi uma grande mulher, simples, meiga e que gostava de ajudar o próximo. Não consigo segurar as lágrimas neste momento de despedida e saudades.
Iratuã Freitas, repórter fotográfico do jornal, registrou nos últimos anos todos os momentos da Doutora Wanda. Ele credita a ela todo o seu desenvolvimento profissional e celebra a alegria da jornalista. “Há mais de 12 anos que trabalho e convivo com Wanda Palhano, a nossa “Doutora”, como todos a chamavam carinhosamente. Parte desse tempo de convivência foi diária, período que mais aprendi na minha vida. Graças à “Doutora”, aprendi sobre o que é Jornalismo, jornal, Jornalismo de sociedade. Também, graças a ela, ganhei um novo nome: Ira, talvez uma marca (pois ela achou que Iratuã era um nome muito difícil e que logo tratou de resolver esse problema). Fui pego de surpresa com a triste notícia de sua partida. Tenho certeza que o céu está em festa, com muita dança e sorriso, como lhe era peculiar. Ah, e muitos flashes. Obrigado por tudo, Doutora Wanda”, agradeceu.

Amizade
Renato Barroso, amigo de longa data, foi surpreendido com a notícia do falecimento de sua grande amiga. Para ele, sua partida não estava prevista. Ele lembrou de sua beleza, classe e equilíbrio diante da vida. “Sinto tanto. Sempre amei minha amiga Wanda. Uma pessoa muito querida, sensível e linda. Wanda era a mulher mais linda e cortejada de Fortaleza, classuda, com porte de rainha, uma pessoa muito, muito boa, linda por dentro e por fora”, comentou, emocionado, Renato.
A jornalista e amiga Adísia Sá destacou o perfil humano e carismático de Wanda. Segundo Adísia, a presidente do jornal era uma pessoa cheia de qualidade e que seus filhos deverão continuar honrando. “Perdemos uma bela figura humana.

Como profissional, como advogada, como mãe de família, como amiga. Foi uma das mulheres mais bonitas que o Ceará já teve, uma figura carismática, sempre muito simpática. Ela não era. Tinha consciência do papel dela, da própria beleza, mas nunca foi uma pessoa para se exibir. Nós perdemos, aliás, a família perdeu o seu maior baluarte, sua maior figura. A família perdeu a grande figura que era o sustentáculo de todos, mas deixou uma família muito bem constituída. O filho e as filhas vão conseguir com a sua trajetória. Uma trajetória de muita dignidade. Ninguém vai poder falar dela negativamente, a não ser, positivamente”, afirmou Adísia.
O colunista social Flávio Tôrres, amigo há mais de 50 anos de Wanda, lembra com carinho da beleza e generosidade da jornalista. “Minha amiga sempre fez parta das listas das mais belas e elegantes da sociedade. Ela, inclusive, foi capa da revista O Cruzeiro, como uma das mais lindas moças do Ceará. Atleta, era jogadora de vôlei do Colégio São João e sempre chamou atenção pela beleza e inteligência. Uma mulher fiel às amizades e muito sincera. Tinha muita criatividade e talento para escrever. Gostava de crônicas e poesias, tanto que escreveu o livro “O Espelho”. Era muito humana e amiga. Ela deixa como legado a inteligência, beleza e cultura. Vou sentir muito sua falta, principalmente de nossas conversas”, reconheceu, comovido, Flávio Tôrres.

Reconhecimento
O presidente do Tribunal de Contas do Estado, Edilberto Pontes, lamentou o falecimento de Wanda Palhano e se solidarizou com seus familiares, amigos e colaboradores. “Mulher forte, Dona Wanda teve uma atuação marcante, tanto ao lado do marido, Venelouis Xavier, quando após a perda do seu companheiro, época em que assumiu a presidência do jornal O Estado. A todos, deixa uma lição de dedicação ao trabalho e amor à família”, declarou o conselheiro.
O presidente do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM), Domingos Filho, também lamentou a morte da presidente do O Estado. “Figura das mais eloquentes em nossa cena intelectual, social e jurídica, Wanda Palhano exerceu com grande esmero suas atribuições como procuradora federal. Engajada na luta por um Nordeste livre do vilão da seca foi a primeira mulher cearense a assumir como procuradora geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Comprometida com a verdade dos fatos e a sociedade em geral, atuou com cidadania e transparência em todos os campos de sua vida e contribuiu para um Ceará mais democrático”, reconheceu Domingos Filho.
Salomão de Castro, presidente da Associação Cearense de Imprensa (ACI), destacou que o legado de Wanda Palhano está presente no jornal que há mais de oito décadas chega diariamente aos cearenses.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará – Sindjorce – e a Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ – manifestaram profundo pesar pelo falecimento da jornalista, Wanda Palhano, filiada desde 30 de maio de 1983.
A OAB Ceará apontou que Wanda encarava o Jornalismo como um agente transformador. “A voz de quem não tem voz. As palavras de Wanda apontavam seu caráter singular, característico das pessoas verdadeiramente especiais. Wanda deixa um legado para o Jornalismo cearense e, sobretudo, para seus irmãos, advogados e advogadas, que neste momento se solidarizam com familiares, amigos e colegas enlutados”.

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