Dallagnol virou procurador contra o que diz a lei. E ficou na base da “teoria do fato consumado”
O agora coordenador da Força Tarefa colou grau em 2002 e prestou concurso no mesmo ano; só poderia tê-lo feito dois anos depois de formado; TRF4 foi muito criativo no uso da teoria que o manteve no cargo. Definitivamente, não se pode dizer que esse rapaz seja um fanático das leis que o regime democrático consagra
Por: Reinaldo Azevedo
Publicada: 24/07/2017 - 6:31
É, tenho,
sim, enroscado com o Ministério Público Federal, como vocês sabem. É
aquele ente que celebrou aquele magnífico acordo com o ex-bandido e
ex-criminoso Joesley Silva. Essa turminha, em regra, não gosta muito das
leis que temos. Prefere aquelas que têm na cabeça. E, se preciso, opta
por atalhos nem sempre muito claros. Eis que descubro que a Vigínia Lane
do MPF, a sua maior vedete, ao se tornar procurador, o fez por caminhos
nada ortodoxos, contrariando a lei. Refiro-me a Deltan Dallagnol.
“Como,
Reinaldo? Aquele que se apresenta como o Torquemada dos políticos e o
Savonarola dos procuradores ingressou no MPF na contramão da lei?” Sim.
Seu pai, Agenor Dallagnol, procurador de Justiça aposentado do Paraná,
foi seu advogado na causa e, ora vejam, foi surpreendentemente
bem-sucedido no pleito. Vamos ao caso.
1: Dallagnol colou grau, como bacharel em direito, no dia 6 de fevereiro de 2002;
2: segundo
o Artigo 187 da Lei Complementar nº 75/93 (Estatuto do Ministério
Público da União), só podiam se inscrever para prestar concurso “bacharéis em Direito há pelo menos dois anos, de comprovada idoneidade moral”. NOTE-SE: a Emenda Constitucional 45, que é de 2004, elevou esse prazo para três anos;
3: Mas
vocês sabem como é Dallagnol… Ele é um rapaz apressado. Seu Twitter
prova isso. Vive pedindo a prisão de pessoas que nem denunciadas foram.
Aproveitou a circunstância de que seu pai era um procurador aposentado
do Ministério Público do… Paraná e, ORA VEJAM, CONSTITUIU-O COMO
ADVOGADO E ENTROU COM UM RECURSO PARA PRESTAR O CONCURSO EM 2002, MESMO
ANO EM QUE COLOU GRAU, AINDA QUE A LEI O IMPEDISSE. Que dois anos que
nada! Isso era para os mortais!;
4: e,
acreditem!, ele conseguiu, sim, uma liminar na Justiça Federal do Paraná
para participar do concurso. Por quê? Não tentem saber! É impossível!;
5: sim, ele foi aprovado no concurso de 2002;
6: em
2003, já começava a exercer as funções de procurador no Tribunal de
Contas União, com nomeação publicada no Diário Oficial;
7: a
Advocacia Geral da União recorreu contra a flagrante ilegalidade. O que
fez o juiz relator do caso, em 2004, no Tribunal Regional Federal da
Quarta Região? Empregou a teoria do fato consumado, o que acabou sendo
confirmado pela turma;
8: o recurso chegou ao Supremo, e decisão monocrática manteve Dallagnol no MPF; a AGU não recorreu;
9: a
“teoria do fato consumado” em matéria de concurso público, sempre
repugnou os juízes; em 2014, o STF bateu o martelo: não pode e pronto!;
10: sic
transit gloria mundi…Fazer o quê? Fico aqui pensando o que diria
Dallagnol se fosse um adversário seu a viver tal circunstância…
Sim, tenho
aqui alguns documentos da coisa. Não deixam de ter a sua graça. Trecho
do acórdão do TRF 4, como vocês podem ler abaixo, não se constrange em
dizer que seria uma aberração anular a nomeação de Dallagnol depois de
empossado. O relator, no caso, foi o então desembargador federal
Valdemar Capeletti. Veja trecho.
Novo
recurso da União foi negado pelo tribunal, ainda que ali fique patente a
ilegalidade da participação de Dallagnol no concurso. Vejam:
Mas, ora
vejam, a desembargadora Marga Inge Barth Tessler não acata o recurso da
União porque esta, diz, não respondeu à questão do fato consumado. Pois
é… Por esse princípio, vamos longe. Há as leis, incluindo a Lei Maior, a
Constituição, e Sua Excelência o fato consumado. Ocorre que o tal fato
consumado dependeu, na origem, de uma liminar destrambelhada. Vejam o
trecho. Bem, se a desembargadora diz que nada pode contra o fato
consumado, a argumentação da União nesse sentido seria inútil.
Eis aí.
Esse foi o primeiro passo relevante da carreira de Dallagnol, o
procurador que vive no Twitter e no Facebook a pedir a cabeça de
políticos e que orienta seus comandados a considerar que o grande
entrave para que se faça justiça no Brasil é o… Supremo Tribunal
Federal. É o rapaz que propôs 10 medidas contra a corrupção, quatro das
quais seriam típicas de um regime fascista de direita ou de esquerda.
Como se
sabe, a fama que Dallagnol construiu é o de alguém que não tergiversa
nunca com a ilegalidade e o compadrio. Devemos certamente parabenizar a
competência de seu pai, então procurador no Estado do Paraná, por ter
sido bem-sucedido no esforço de fazer com que o filho-cliente fosse
admitido, contra a lei, no concurso.
Certamente não é para qualquer um. E, depois, por ter vencido os embaraços futuros.
Vocês
sabem como sou. Um democrata radical, liberal, de direita. Posso
traduzir: só aceito o poder que deriva da vontade do povo; entendo que o
Estado deva ter função meramente reguladora (o nosso tem de privatizar
todas as estatais), podendo atuar apenas na segurança pública, na defesa
do país (com o monopólio das duas funções), na saúde e na educação: em
ambos os casos, com uma intervenção de caráter social, já que a
iniciativa privada pode e deve ser livre para oferecer serviços.
Essa visão
de mundo tem algumas implicações. E uma delas é o cumprimento estrito
das leis e das formas de mudá-las quando já não se mostram eficazes.
Como digo sempre: a melhor maneira de tornar melhor o mundo é conservar
as regras da mudança, desde que atendam aos fundamentos da democracia.
O fato:
Dallagnol se tornou procurador contra a lei, o que foi admitido pela
própria Justiça, e lá permaneceu com base da teoria do “fato consumado”.
A propósito: no que diz respeito ao caixa dois de campanha, o que seria, doutor Dallagnol, a teoria do fato consumado?
Ou será que Dallagnol é um daqueles que nos diriam: “Façam o que eu digo, não o que eu faço”?
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