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Morto em abril, aos 70 anos, Belchior ganha biografia descritiva e analítica


Sálvio Correa/Ag.O Globo
Antonio Carlos Belchior morreu em Santa Cruz do Sul (RS), aos 70
Antonio Carlos Belchior morreu em Santa Cruz do Sul (RS), aos 70
Você vai pensar: "Caramba, o cara mal morreu e já estão lançando biografia..." É verdade, mas trata-se de coincidência infeliz.
"Apenas um Rapaz Latino-Americano", de Jotabê Medeiros, já estava escrito quando Antonio Carlos Belchior morreu, há quatro meses, em Santa Cruz do Sul (RS), aos 70.
Faltava, na verdade, só a última página: "Seria minha tentativa de encontro com ele", diz o biógrafo, que havia localizado o cantor exilado na cidade de 100 mil habitantes, a 150 km de Porto Alegre. Havia dez anos que Belchior começara a desaparecer da vista dos amigos, da família e da vida profissional.
Mas um rompimento na aorta, enquanto ouvia música clássica na madrugada de 30 de abril de 2017, chegou a Belchior antes de Jotabê.
Assim, a última página se transformou no capítulo final, "Inmemorial", no qual são descritos os velórios em Sobral e Fortaleza (que atraíram 11.000 pessoas), o enterro (com familiares cantando "Mucuripe", seu primeiro sucesso, parceria com Fagner) e as descargas elétricas que faiscavam entre Ângela Belchior, irmã, e Edna Prometheu, mulher que acompanhou o artista nos anos de ostracismo.
No extremo oposto das 240 páginas, o primeiro capítulo não é sobre seu nascimento, pois essa biografia não segue os passos habituais.
"Biógrafos costumam dar muita ênfase a aspectos que não fazem sentido para a formação do retratado", diz Jotabê. Daí a escolha de ter escrito uma obra "70% descritiva e 30% analítica" e não tão extensa.
"Não havia quase nada publicado sobre ele. Ele conseguiu certa invisibilidade na imprensa. Daí, tudo o que eu descobrisse seria novo. Mas meu desafio também era explicar o artista, o culto a ele", diz Jotabê, 54, há 31 anos trabalhando como repórter na área de cultura.
O livro parte de um momento crucial em sua formação: "Ele sempre disse que era ex-seminarista e como isso foi importante para ele. Mas que seminário foi esse? O que ele aprendeu lá?".
Para responder, o biógrafo foi ao Mosteiro dos Capucchinos, na serra do Guaramiranga, no interior do Ceará. Ali, Belchior aprendeu o italiano, o latim, os clássicos e, com a mente ventilada pelo cabelo tigelinha, foi apresentado a "A Divina Comédia" (1492).
O inferno, o purgatório e o paraíso de Dante Alighieri o acompanhariam pelo resto da vida. Muitos anos depois, conta Jotabê, Belchior ainda tentava finalizar não apenas sua versão em português para o poema italiano como também traduzir o texto em 3.000 pinturas.
Em outra parte descritiva, acompanhamos Belchior lá por 1975, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e morando com peões de obra em um prédio em construção na rua Oscar Freire. É quando Elis Regina (que já conhecia "Mucuripe") lhe pede canções e fica assombrada com as inéditas "Como Nossos Pais" e "Velha Roupa Colorida".
Elis incluiria as duas imediatamente em seu show "Falso Brilhante", abrindo as portas para que Belchior pudesse gravar seu segundo disco, a obra-prima "Alucinação" (1976). Além desses dois novos sucessos, o LP trazia "Apenas um Rapaz Latino-Americano".
Entre os capítulos analíticos, destaca-se "Dylanesco", que fala por si só, mas que merece mais três parágrafos.
O cearense cita letras de Bob Dylan em suas músicas desde seus primeiros discos. Em 1999, lançou um álbum duplo de releituras chamado "Auto-Retrato". Dylan havia lançado um disco duplo de covers chamado "Self Portrait" (autorretrato) em 1970.
"Ele assistiu a todos os shows de Dylan no Brasil", diz Jotabê. No Hollywood Rock de 1990, Gilberto Gil, que também se apresentava naquela noite, chamou o amigo e conseguiu enfiá-lo no camarim do astro.
"Dylan, esse é Belchior, o Bob Dylan brasileiro", apresentou Gil, conforme conta Jotabê na biografia. "Dylan brasileiro? É mais provável que eu seja você na América", brincou o americano.
"Ao regressar", continua o livro, "Belchior se aproximou da mulher, tremendo. 'Estive com ele.' Ela: 'Quem?'. 'Dylan, Dylan, Dylan', repetiu, sorrindo."
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BELCHIOR - APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO
AUTOR Jotabê Medeiros
EDITORA Todavia
QUANTO R$ 49,90 (248 págs.) e R$ 34,50 (e-book)

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