Maurino, Dadá e Zé Caô: das redes de pesca às redes sociais
“O que tira o sono dos marqueteiros de hoje é: como evitar que uma mentira difundida e multiplicada exponencialmente através das redes sociais esgarce uma candidatura a ponto de inviabilizá-la?”
Até outro dia qualquer marqueteiro garantia: uma
campanha só começa depois que o horário eleitoral gratuito entra no ar.
Pesquisas, surveys (aquelas sondagens rápidas, sem o rigor de
uma pesquisa formal) e previsões de especialistas só viravam
possibilidades concretas depois que a campanha chegava ao rádio e à TV.
A influência da internet era irrisória. Candidatos que
mandavam e-mails ou usavam as antigas redes sociais – ICQ, Orkut, MSN e
MySpace, por exemplo – eram vistos como extraterrestres. “Fica aí
perdendo tempo e dinheiro com isso, não ganha um voto e ainda vira
motivo de riso porque todo mundo sabe que eleição se ganha é na
televisão e na sola de sapato”. Verdade. Verdade naquela época.
Mas, como dizia Caymmi, “Se sabe que muda o tempo/ Se sabe
que o tempo vira/ Aí o tempo virou”. A internet, hoje, é a solista da
orquestra eleitoral. Rádio e TV fazem apenas backing vocal.
Profissionais que atuam na internet faturam tanto ou mais do que os
marqueteiros d’antanho. Pois têm o poder de aproximar o eleitor do
candidato e vice-versa. Hoje, quem souber usar corretamente os
mecanismos das redes sociais – Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram –
sai muuuuito na frente. E alcança instantaneamente Maurino, Dadá e Zé
Caô, os pescadores citados por Caymmi na canção famosa. E mais alguns
milhões de prováveis eleitores. Tudo ao alcance de um clique.
Como barrar um vídeo malicioso?
Impressionante, não é, brother? Também acho. E me assusto com esse novo mundo.
Mas, como toda tecnologia, a internet tanto pode ser usada
para o bem como para o mal. Como uma faca que tanto corta o filé pra
fazer o almoço como corta o pescoço de alguém pra fazer um cadáver. O
que tira o sono dos marqueteiros de hoje é: como evitar que uma mentira
difundida e multiplicada exponencialmente através das redes sociais
esgarce uma candidatura a ponto de inviabilizá-la?
Repare bem: a campanha já começou faz tempo. É só ver a
profusão de mensagens que os “candidatos” (se quiser pode tirar as
aspas) distribuem diariamente pelas redes. O que a Justiça Eleitoral
pode fazer? Xongas. Apenas olhar e proibir a campanha antecipada pela TV
e pelo rádio. Como se rádio e TV ainda valessem meia pataca…
Algumas mensagens pelas redes sociais são francamente
maliciosas. Anos atrás, quando ainda pavimentava o caminho pra se tornar
candidato, o gabinete de Bolsonaro distribuiu um vídeo todo editado em
que acusava a professora Tatiana Lionço de defender a pedofilia. Tomou
um processo dela. Mas o vídeo continua circulando por aí, não há como
brecar nada na internet, apesar de o Youtube tê-lo apagado de seus
arquivos. Esta semana, recebi cinco vezes um mesmo vídeo que “provava”
que Lula é um mentiroso.
Ora, sou da área. Trabalho com imagens desde que me
desentendo por gente. Fui dono de produtora de vídeo. Sou professor de
telejornalismo há mais de 20 anos. Leio muito a respeito. Por isso sei
um pouco como esse troço funciona. No vídeo em questão Lula aparece
dando uma entrevista em que o repórter pergunta a razão dos panelaços
contra Dilma. Ele inicia a resposta dizendo “Porque a Dilma era..”.
Justamente aí tem um corte. E a fala dele prossegue dizendo: “…cretina
safada, maldosa, mentirosa”. Óbvio que pegaram outra resposta e grudaram
na pergunta. Uma forma primária de manipulação.
Quem disse que imagem não mente?
Mas, para os desinformados, o vídeo é verídico. O povão
acredita em São Tomé: “Imagem não mente”. Pois mente. E mente muito. Que
o Lula não é nenhum santo todo mundo sabe, principalmente Moro e a
turma da Lava Jato, que andam no pé dele. Mas, daí a se utilizar de um
artifício criminoso para fazê-lo “mentir” vai uma distância enorme. Até
aqui, ao que se sabe, a única crítica que Lula fez a Dilma foi a de ela
não ter cumprido as promessas da campanha. Mais nada. Imagina se o Lula
ia desancar a Dilma diante de um microfone aberto? Mas nem. Agora, como
desmentir uma mensagem como essa, que circula sem freio e na velocidade
da luz? Vai rodar enquanto houver internet, brother.
E aí reside a grande interrogação da campanha que vem aí.
Pela primeira vez candidatos e marqueteiros terão de combater um inimigo
insidioso e invisível, para o qual não valem desmentidos nem multas ou
supressão de tempo na propaganda, como acontece no rádio e na TV.
O jeito é a gente se mudar pra Nova Zelândia, brother.
Tem umas montanhas lá onde a internet não chega. Quer dizer: não
chegava. Porque agora os caras inventaram uns balões que ficam parados
lá em cima disponibilizando sinal de internet. Há alguns deles até nos
céus do Piauí. Funcionam que é uma beleza. Isso significa que aquele
vídeo mentiroso do Bolsonaro, o vídeo das “mentiras” do Lula e até este
artigo mentiroso aqui vão continuar circulando pela internet até Deus
dizer chega. E salve-se quem puder. Inclusive Deus.
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