Deixando a batina e fechando a tonsura

Igreja em Portugal perdeu mais de 600 padres em 15 anos

O Papa Francisco tem afirmado que o celibato “opcional” para os padres católicos não é uma solução para a crise de vocações que a Igreja enfrenta
Entre 2009 e 2014, abandonaram o sacerdócio 32. Alguns fazem parte da associação Fraternitas, que se dedica a apoiar os ex-padres e as famílias a reintegrar-se na sociedade
Entre 2000 e 2015, o número de sacerdotes diocesanos em Portugal baixou de 3159 para 2524, ou seja 635 deixaram a Igreja. Os números constam do mais recente anuário católico de Portugal, que aponta também para outra descida no clero religioso: os padres passaram de 1078 para 907, numa estatística a cargo da Conferência Episcopal Portuguesa e divulgada pela Agência Ecclesia. Segundo a mesma fonte, entre 2009 e 2014, as ordenações sacerdotais foram 213, face a 425 óbitos e 32 defeções [saídas].
Não se sabe se todos os que deixaram o ministério o fizeram para constituir família, mas a verdade é que o tema voltou à ordem do dia a propósito do padre madeirense Giselo Andrade, que assumiu, no início de novembro, a paternidade de uma criança nascida em agosto passado. O sacerdote quis continuar ao serviço da Igreja, o que nem sempre acontece nestes casos. Crê-se por isso que entre os 32 que deixaram a vida religiosa entre 2009 e 2014, a maior parte o tenha feito para casar e assumir uma família.
Quando deixa o sacerdócio, a maioria bate à porta da Fraternitas Movimento, uma associação de presbíteros que deixaram o exercício do ministério, casados ou não, extensível às esposas e viúvas. É uma espécie de âncora a que se agarram os homens que deixam de ser padres. "A primeira dificuldade prende-se com uma decisão que não foi muito fácil, isto é, assumir deixar o ministério sacerdotal. Implicou muito sofrimento e reflexão, muita solidão, muita angústia", afirmou ao DN Alberto Osório, vogal da direção da Fraternitas. Casado, com um filho, vive em São João da Madeira e está aposentado do ensino oficial. É o responsável pela edição do Espiral (o boletim da Fraternitas Movimento), participa numa associação de pais e colabora com a Universidade Sénior da cidade, onde dá aulas sobre "o Mundo da Bíblia".
Tal como a maioria dos que integram a associação, o ex-padre passou por uma espécie de reintegração na sociedade, quando deixou o ministério. "De há uns vinte anos para trás, havia a questão social (não era generalizada a aceitação dessa situação - deixar o exercício do ministério) e, pior ainda, a imposição hierárquica de sair da paróquia onde se exercera o ministério, ou da de nascimento, o que se traduzia num exílio forçado, para terras e países, por vezes, bem longínquos!", recorda Alberto Osório, admitindo no entanto que ainda permanece "algum afastamento de serviços eclesiais, levando o padre casado a uma situação 'abaixo de leigo'".
Apoiar os ex-padres
Criada em 1997, a Fraternitas Movimento viu os seus estatutos aprovados pela Conferência Episcopal Portuguesa na Assembleia Plenária de 2 a 5 de maio de 2000. Entretanto, os estatutos originais foram revistos e aprovados pelo Movimento na 39.ª Assembleia Geral da Fraternitas Movimento, em 30 de abril e 1 de maio de 2016. A missão, porém, mantém-se inalterada desde a criação: "Apoiar nos vários domínios (pessoal, social, laboral, económico, eclesial) os seus membros, bem como os que deixam o exercício do ministério".
A associação pretende igualmente "fomentar laços de amizade e solidariedade intergrupal. E estudar, em Igreja, formas de colaboração eclesial para os seus membros no sentido de um serviço às comunidades cristãs", acrescenta o vogal da direção. O movimento desenvolve igualmente atividades de formação e atualização teológica, nomeadamente cursos, palestras, encontros de formação, retiros, possibilitando a outros cristãos a sua participação nesses eventos.
O professor Alberto recorda que a fundação da Fraternitas Movimento ficou a dever-se à ação do cónego Filipe de Figueiredo (falecido em 2003) ao promover, em Fátima, os primeiros retiros para "padres casados" a partir de agosto de 1996. Vinte anos passados, Alberto Osório acredita que alguma coisa mudou: "Nota-se alguma mudança de mentalidade, em especial da hierarquia, já que, ao nível do povo cristão de base, a aceitação de presbíteros que deixaram o ministério e constituíram família é um facto quase unanimemente aceite: não é motivo de escândalo que um presbítero deixe o exercício do ministério e inicie uma família".
Mas persiste o problema de base - "uma visão da Igreja, não piramidal, mas de forma circular: comunidades de base que suscitam, entre os seus membros, os seus necessários servidores (ministros). E a Igreja tornar-se-ia, assim, numa comunhão de comunidades. O batismo, sacramento radical e essencial, torna cada batizado nas funções de Jesus - sacerdote, profeta, rei. E, neste sentido, os passos dados são extremamente reduzidos", sublinha este responsável da Fraternitas, para quem a visão de uma Igreja hierarquizada (papa, bispos, presbíteros e, na base, os leigos) "ainda está muito enraizada, em especial nos lugares de mando, que não querem ver fugir-lhes das mãos as diretrizes e os proveitos da orientação dos fiéis". A Fraternitas Movimento (sediada em Gaia) tem 115 associados inscritos. Porém, ativos são apenas 65 membros.

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