Opinião

Nunca tinha ficado tão velho

Minhas filhas até brincavam com isso. Desde que era mais moço, eu vivia dizendo que estava ficando velho. Tinha essa mania. Agora fiquei de vez…
Contrariando os prognósticos agourentos dos médicos e amigos, cheguei aos 70, um verdadeiro milagre, mas hoje não é dia de fazer festa.
É dia de luto nacional pelo assassinato de Marielle e Anderson, vítimas emblemáticas desta ditadura envergonhada que está degradando o nosso país e matando o nosso futuro.
Nunca tinha ficado tão velho…
Umas vinte cirurgias e acidentes variados depois, sobrevivi até aqui, e o mais importante é justamente isso: ainda estar vivo, batalhando, trabalhando, escrevendo todos os dias, cercado pela minha pequena família e muitos amigos.
Nasci mesmo premiado. Tinha só oito meses de idade quando fui submetido à primeira cirurgia para tirar um tumor da cabeça.
Era benigno, mas meus pais contavam que a chance de sobrevida era pequena naquela época, final dos anos 40 do século passado.
Alguns amigos mais maldosos brincavam que os médicos tinham se enganado e tirado a parte boa…
Seja como for, não posso reclamar de nada.
Compartilho a vida há quase meio século com uma bela mulher, minhas filhas são duas jovens e respeitáveis senhoras, tenho cinco netos queridos e escolhi a melhor profissão do mundo.
Gosto do que faço e fiz tudo que queria nesta vida, tive a oportunidade de conhecer boa parte do mundo, viajando a trabalho como repórter, e o Brasil inteiro, de ponta a ponta.
Filho de um casal de imigrantes vindos da Europa do pós-guerra, era até outro dia apaixonado pelo meu país, primeiro da família a nascer aqui, semanas depois da chegada de meus pais.
Sou de uma geração que sobreviveu à ditadura e chegou pelo voto ao poder, hoje entregue a uma quadrilha de saqueadores que me tirou o orgulho de ser brasileiro.
Chego aos 70 muito triste com o que fizeram do meu país, motivo de galhofa e espanto no mundo inteiro, depois de ter conquistado uma posição de respeito e destaque no cenário internacional poucos anos atrás.
No mesmo dia em que a bandidagem institucionalizada matou a vereadora que lutava pela vida dos outros, juízes federais faziam greve para defender seus interesses particulares.
Este é o Brasil de 2018, mas pelo menos desta vez o povo saiu às ruas para dizer um basta a tanta indignidade, um sinal de que nem tudo está perdido.
Devem existir muitas outras Marielles por aí que a gente ainda não conhece para virar este jogo e devolver o Brasil aos brasileiros com vergonha na cara.
É nisso que deposito minhas esperanças já alquebradas, todo dia em busca de boas notícias, mas por dever de ofício obrigado a escrever sobre desgraças variadas.
Para quem nasceu no governo do marechal Dutra, viu menino o suicídio de Vargas, se empolgou com JK, sobreviveu aos generais presidentes e participou de todas as lutas pela redemocratização,  é frustrante chegar a esta idade com o meu país do jeito que está, sem norte e sem rumo.
Apesar de tudo, tudo valeu a pena. Nunca mudei de lado, sempre fui fiel a meus princípios, vivo apenas do meu trabalho, não devo nada a ninguém, mas sou grato a todos os que me ajudaram a chegar até aqui.
Aproveito este espaço para agradecer a todos os que me escreveram ou ligaram desde cedo neste dia ao mesmo tempo de tristeza e felicidade por estar vivo.
Vida que segue.

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